quinta-feira, 21 de agosto de 2014

COMO É CRUEL O PRECONCEITO SOCIAL




            ….E mais um dia comum na maternidade como outro qualquer... Seria, se não fosse eu receber e admitir ao final da tarde a paciente Irene*.


            Aos escutar comentários de colegas a respeito da aparência e sexualidade da paciente, me instiguei e decidi atendê-la e tentar uma aproximação, pois sei que não é qualquer profissional que está preparado psicologicamente para se abster de preconceitos na hora do atendimento. Então fui lá, me apresentei e começamos a conversar. Uma paciente fechada, com o jeito e aparência socialmente construído de um homem, exceto pelo barrigão de gestante. Notava-se claramente uma retração, uma postura de defensiva, timidez em excesso.


            Conversamos sobre diversas coisas e queria chegar ao ponto de entender o porquê, aquele ser humano que paga impostos e está inserido no mesmo país que eu , sob o respaldo da mesma lei constitucional, não havia realizado o seu Pré-natal, o acompanhamento da gravidez.


            Finalmente quando ganhei sua confiança, indaguei o motivo, e a resposta me atingiu como uma facada: “Não fiz porque eu tinha vergonha de ir nas consultas como eu sou”. Eu realmente entendi seu motivo e na hora até disse que os profissionais não costumam apresentar preconceito quanto a isso (pelo menos diante das pacientes), e ela retrucou falando que além disso, o problema era a fila e as outras gestantes.


            Consegui conquistar uma relação de confiança e concluir a conversa de maneira que ela se sentisse à vontade naquele local, no local onde era teria seu bebê, segundo ela tão desejado.

Claro que conversamos sobre cada detalhe de porque engravidou, de quem, mas agora, gostaria de focar em um ponto apenas: na privação de seu direito.


            Naquele dia saí de lá bem reflexiva e fiquei bastante tempo com aquilo na cabeça...

O quanto a sociedade é cruel. A que ponto chegamos! Fazer comentários, olhar diferente, rir de uma pessoa que não se enquadra num modelo atual imposto por algum padrão pré-determinado na sociedade, acaba sendo um comportamento recorrente, independente se isso afeta tão profundamente a vida de uma pessoa. Independente se essa pessoa, vai deixar de cuidar de sua saúde, ou entrar em depressão, ou ser infeliz por conta do preconceito de outras pessoas que se dizem “normais”.


            Gente, estamos todos respaldado pela mesma lei, então teoricamente deveríamos ter a mesma liberdade de acesso. Restringir isso, mesmo que de forma indireta é desumano. Agora temos uma gestante que se identifica homossexual, pobre, sem ter acompanhado sua gestação, podendo ter consequências para o resto de sua vida e da vida de seu filho.


            Vamos acordar pra realidade, somos todos humanos, somos todos diferentes. A diferença entre uma pessoa assim e você, é a coragem! A coragem de assumir algo que no seu interior vai de encontro ao que é imposto socialmente. Todos temos nossos “demônios interiores”. Todos temos vontades que não convém à sociedade... Só que esconder isso e julgar quem tem coragem de tentar ser feliz, é indigno! Desde que não façamos o mal para terceiros deveríamos ser como gostaríamos de ser, sem precisarmos nos privar por causa da opinião dos politicamente corretos.


            Para mim, como profissional da saúde , é triste ver uma pessoa se escondendo da sociedade e com isso se privando do direito que o Estrado lhe oferece de cuidar de sua saúde. E pior, isso refletir em uma segunda vida, no seu filho, que nada tem haver com a cultura social que o receberá ao mundo!



 * Nome fictício

Fernanda Sandes - Residente em Enfermagem Obstétrica.

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