….E mais um
dia comum na maternidade como outro qualquer... Seria, se não fosse eu receber
e admitir ao final da tarde a paciente Irene*.
Aos escutar
comentários de colegas a respeito da aparência e sexualidade da paciente, me
instiguei e decidi atendê-la e tentar uma aproximação, pois sei que não é
qualquer profissional que está preparado psicologicamente para se abster de
preconceitos na hora do atendimento. Então fui lá, me apresentei e começamos a
conversar. Uma paciente fechada, com o jeito e aparência socialmente construído
de um homem, exceto pelo barrigão de gestante. Notava-se claramente uma
retração, uma postura de defensiva, timidez em excesso.
Conversamos
sobre diversas coisas e queria chegar ao ponto de entender o porquê, aquele ser
humano que paga impostos e está inserido no mesmo país que eu , sob o respaldo
da mesma lei constitucional, não havia realizado o seu Pré-natal, o
acompanhamento da gravidez.
Finalmente
quando ganhei sua confiança, indaguei o motivo, e a resposta me atingiu como
uma facada: “Não fiz porque eu tinha vergonha de ir nas consultas como eu sou”.
Eu realmente entendi seu motivo e na hora até disse que os profissionais não
costumam apresentar preconceito quanto a isso (pelo menos diante das
pacientes), e ela retrucou falando que além disso, o problema era a fila e as
outras gestantes.
Consegui
conquistar uma relação de confiança e concluir a conversa de maneira que ela se
sentisse à vontade naquele local, no local onde era teria seu bebê, segundo ela
tão desejado.
Claro que conversamos sobre cada detalhe de porque
engravidou, de quem, mas agora, gostaria de focar em um ponto apenas: na
privação de seu direito.
Naquele dia
saí de lá bem reflexiva e fiquei bastante tempo com aquilo na cabeça...
O quanto a sociedade é cruel. A que ponto chegamos! Fazer
comentários, olhar diferente, rir de uma pessoa que não se enquadra num modelo
atual imposto por algum padrão pré-determinado na sociedade, acaba sendo um
comportamento recorrente, independente se isso afeta tão profundamente a vida
de uma pessoa. Independente se essa pessoa, vai deixar de cuidar de sua saúde,
ou entrar em depressão, ou ser infeliz por conta do preconceito de outras
pessoas que se dizem “normais”.
Gente,
estamos todos respaldado pela mesma lei, então teoricamente deveríamos ter a
mesma liberdade de acesso. Restringir isso, mesmo que de forma indireta é
desumano. Agora temos uma gestante que se identifica homossexual, pobre, sem
ter acompanhado sua gestação, podendo ter consequências para o resto de sua
vida e da vida de seu filho.
Vamos
acordar pra realidade, somos todos humanos, somos todos diferentes. A diferença
entre uma pessoa assim e você, é a coragem! A coragem de assumir algo que no
seu interior vai de encontro ao que é imposto socialmente. Todos temos nossos
“demônios interiores”. Todos temos vontades que não convém à sociedade... Só
que esconder isso e julgar quem tem coragem de tentar ser feliz, é indigno!
Desde que não façamos o mal para terceiros deveríamos ser como gostaríamos de
ser, sem precisarmos nos privar por causa da opinião dos politicamente
corretos.
Para mim,
como profissional da saúde , é triste ver uma pessoa se escondendo da sociedade
e com isso se privando do direito que o Estrado lhe oferece de cuidar de sua
saúde. E pior, isso refletir em uma segunda vida, no seu filho, que nada tem
haver com a cultura social que o receberá ao mundo!
* Nome fictício
Fernanda Sandes - Residente em Enfermagem Obstétrica.
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